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Edição 15 – Jeffrey Dahmer: Quando o horror saiu da geladeira

  • Foto do escritor: Tilara Neutzling
    Tilara Neutzling
  • há 1 dia
  • 4 min de leitura

COLUNA: SEXTAS DO CRIME


Por Tilara Neutzling, Psicóloga Pós-graduada em Investigação Forense e Perícia Criminal


Jeffrey Lionel Dahmer nasceu em 21 de maio de 1960, em Milwaukee, Wisconsin, em uma família marcada por conflitos emocionais, distanciamento afetivo e episódios constantes de brigas entre os pais. Embora sua infância não tenha sido caracterizada por abusos explícitos, Dahmer cresceu em um ambiente que oferecia pouco espaço para a expressão de sentimentos, criando um terreno fértil para a construção de um sujeito que aprenderia, cedo demais, a se relacionar apenas com aquilo que podia controlar. A separação dos pais, vivida na adolescência, funcionou como catalisador: um rompimento definitivo entre qualquer estabilidade emocional e o mundo interno de alguém que já demonstrava sinais de dissociação precoce.


Desde cedo, Dahmer desenvolveu um fascínio incomum pela anatomia da morte. Ele recolhia carcaças de animais atropelados, limpava ossos, guardava crânios e explorava estruturas internas com uma curiosidade quase ritualística. Usava produtos químicos para remover tecidos, catalogava restos e manipulava cadáveres sem qualquer repulsa. Isso não tinha relação com taxidermia — ele não preservava, não montava, não criava expositivos. Seu impulso era o oposto: desmontar, abrir, expor. Esse comportamento infantil, embora não necessariamente indicativo de psicopatia por si só, já revelava um padrão estrutural de dessensibilização, distorção da empatia e a semente de uma dinâmica psíquica em que morte, controle e curiosidade anatômica se entrelaçavam como um único objeto de interesse.

Na vida adulta, Dahmer manteve uma aparência social funcional, porém frágil. Trabalhou em fábricas, viveu em pequenos apartamentos e tentou, repetidas vezes, estabelecer algum tipo de vínculo afetivo que pudesse aplacar sua solidão crônica. No entanto, sua incapacidade de lidar com rejeição, aliada a um desespero por permanência — por possuir algo ou alguém que não pudesse abandoná-lo — transformou sua busca por companhia em um impulso homicida. Sua fantasia central não era apenas matar: era reter. Controlar corpos, deter o abandono, solidificar um vínculo impossibilitado na vida real.


Entre 1978 e 1991, Dahmer assassinou 17 jovens, majoritariamente homens negros e asiáticos, aos quais oferecia dinheiro para posar para fotos. Conduzia-os ao apartamento, dopava-os e, só então, consumava sua fantasia de dominação absoluta. O horror de seus crimes ultrapassou o homicídio em si: Dahmer realizava necrofilia, desmembramentos, conservação de partes anatômicas e experiências rudimentares de “zumbificação”, injetando substâncias no cérebro das vítimas na tentativa de criar companheiros submissos e permanentemente presentes. Dentro da lógica delirante que ele mesmo descreveu mais tarde, tratava-se de impedir que qualquer pessoa real o abandonasse — criando, assim, uma “companhia” que nunca falasse, nunca discordasse, nunca saísse pela porta.


Uma das falhas mais chocantes da investigação ocorreu em 1991, quando Konerak Sinthasomphone, um adolescente de 14 anos, conseguiu fugir do apartamento de Dahmer completamente desnorteado e ferido. Duas mulheres chamaram a polícia, mas os agentes, ao chegarem, aceitaram a explicação de Dahmer de que o garoto era seu namorado adulto e apenas estava bêbado. Ignoraram os pedidos de ajuda das testemunhas, desconsideraram a idade evidente da vítima e, sobretudo, permitiram que o viés racial guiasse a decisão: acreditaram no homem branco, negligenciaram o adolescente asiático e o entregaram de volta às mãos do assassino. Horas depois, Konerak seria morto. Este episódio não apenas escancarou a incompetência policial, mas tornou-se um dos retratos mais brutais de como racismo, homofobia e negligência institucional podem custar vidas.


Seu aprisionamento definitivo ocorreu meses depois, quando Tracy Edwards conseguiu escapar do apartamento e alertar a polícia. Ao entrar no local, os agentes encontraram fotografias de corpos desmembrados, restos humanos na geladeira, ferramentas cirúrgicas e um barril de decomposição. Não era apenas a cena de um assassino em série: era um laboratório macabro, um espaço construído para alimentar uma fantasia que exigia, cada vez mais, a dissolução da individualidade dos outros.


Durante o julgamento, Dahmer demonstrou uma calma inquietante. Não havia orgulho, mas também não havia culpa. Ele não buscava justificar-se; parecia apenas relatar. Sua defesa alegou transtorno mental severo, enquanto a promotoria sustentou que sua capacidade de planejar, ocultar e manipular indicava plena consciência do caráter criminoso dos atos. Foi condenado a 15 penas de prisão perpétua consecutivas. Em 1994, foi morto dentro do presídio por outro detento, encerrando a vida de um homem cuja história obrigou a criminologia contemporânea a repensar a zona nebulosa entre transtorno mental, compulsão e maldade deliberada.


O que permanece após o caso Dahmer não é uma lição, mas um arquivo. Páginas, laudos, fotografias, transcrições. Nada nele aponta para redenção, nem para algum sentido oculto. O que existe é apenas a constatação de que um sujeito com funcionamento psíquico profundamente dissociado conseguiu operar durante anos sem ser interrompido. O impacto de sua trajetória não está no horror explícito, e sim no volume de omissões que permitiram sua continuidade.

Dahmer termina não como enigma, mito ou figura cultural, mas como um exemplo técnico de falha sistêmica: um criminoso que pôde agir porque ninguém confirmou o que já estava à vista. E é precisamente por isso que ele permanece relevante para o estudo criminal.

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