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Ted Bundy, a anatomia do predador

  • Foto do escritor: Tilara Neutzling
    Tilara Neutzling
  • 1 de ago.
  • 3 min de leitura

Atualizado: 8 de ago.

Edição 1


Por Tilara Neutzling, Psicóloga Pós-graduada em Investigação Forense e Perícia Criminal


Em 24 de janeiro de 1989, diante do presídio estadual da Flórida, uma multidão eufórica gritava, cantava e segurava cartazes que diziam Burn Bundy Burn (Queima Bundy, Queima) enquanto o corpo de Theodore Robert Bundy era levado à execução na cadeira elétrica. Para muitos, aquele instante representava o encerramento definitivo de um ciclo de horror. Mas, para quem observa o fenômeno criminal sob a lente da psicologia forense, o que se revelou naquele momento foi um sintoma coletivo: o mal precisa ser eliminado de forma pública para que o senso de segurança simbólica seja restaurado. O que se queimava ali não era apenas um homem. Era o desconforto de saber que a barbárie pode habitar a normalidade.


Ted Bundy foi um dos serial killers mais emblemáticos da história criminal americana. Responsável pela morte de pelo menos trinta mulheres entre 1974 e 1978, atuou em diversos estados dos EUA, cruzando fronteiras e enganando autoridades com uma maestria calculada. O traço distintivo do seu perfil não estava apenas nos atos violentos, mas na forma como conseguia mascarar sua brutalidade por trás de uma imagem de charme, educação e aparente estabilidade emocional.


Filho ilegítimo, criado acreditando que sua mãe era sua irmã, Bundy cresceu imerso em uma estrutura familiar marcada por segredos, rigidez e distanciamento afetivo. Essas experiências precoces de abandono, somadas à ausência de validação identitária, contribuíram para a formação de uma personalidade desvinculada de vínculos genuínos. Seu desenvolvimento afetivo foi substituído por uma construção narcisista, voltada à performance, ao controle e à manipulação como forma de sobrevivência psíquica.


Na adolescência e vida adulta, o padrão se repetiu: charme instrumentalizado, relações superficiais, ambição desmedida. Cursou Psicologia na Universidade de Washington, estagiou em centros de atendimento a vítimas de violência e trabalhou em campanhas políticas. Tentou ingressar na Faculdade de Direito em Utah, mas abandonou o curso. Esse envolvimento social e institucional reforçou sua máscara de funcionalidade. Enquanto aparentava ser um jovem promissor, educado e idealista, já planejava, observava, manipulava.


O rompimento com uma ex-namorada por quem nutria forte idealização deflagrou uma reorganização interna marcada pela compulsão destrutiva. As vítimas começaram a surgir pouco depois. Jovens com traços semelhantes aos da mulher que o rejeitou. Em todas elas, um mesmo ritual: sedução, manipulação, violência, domínio. As mulheres assassinadas por Bundy compartilhavam padrões claros: tinham entre 15 e 25 anos, longos cabelos castanhos repartidos ao meio, rostos delicados, traços semelhantes. Eram estudantes, universitárias, mulheres jovens no início de suas jornadas. Nenhuma era aleatória. Todas eram símbolos.


A análise criminal do seu comportamento revela um perfil de agressor do tipo organizado. Ele estudava as rotinas, usava táticas específicas de aproximação, sequestrava e matava com alto controle emocional. Em vários casos, houve retorno à cena do crime, necrofilia e manipulação post mortem dos corpos. A frieza, somada à capacidade de imitar afeto, indica a presença de traços psicopáticos em grau severo. As características de impulsividade estavam sempre subordinadas a um plano maior, manter o domínio absoluto da situação.


Mesmo após ser preso, Bundy continuou exercendo influência. Defendeu-se em parte do próprio julgamento, concedeu entrevistas públicas e usava sua imagem para barganhar informações. Ele não demonstrava culpa, tampouco compaixão. Suas confissões, quando ocorreram, eram pontuais, estratégicas, raramente atravessadas por afeto legítimo. A ausência de remorso não era performática, era estrutural.


A psicologia existencial compreende esse tipo de sujeito como alguém que perdeu toda e qualquer referência de alteridade. Viktor Frankl, em sua logoterapia, fala sobre o vácuo existencial, o esvaziamento de sentido que pode levar o indivíduo à destruição de si ou do outro. No caso de Bundy, o vazio não se expressou em suicídio, mas em homicídios ritualizados, como tentativas de preenchimento de um buraco ontológico que jamais cessou de sangrar.


O caso Bundy continua reverberando porque ultrapassa a figura do assassino em série. Ele escancara o fracasso coletivo em reconhecer os sinais do desamparo disfarçado de normalidade. Escancara o quanto estamos socialmente condicionados a julgar apenas o que é grotesco, esquecendo que o horror pode ser limpo, articulado, sedutor. Bundy nos forçou a aceitar que o predador moderno não vive nas sombras, ele vive entre nós, veste nossas roupas, ocupa nossos espaços e, por vezes, representa nossas instituições.


Ted Bundy não foi um monstro fora da humanidade. Foi um predador nascido dentro dela. A sua morte não foi um fim. Foi um alívio artificial. Porque o verdadeiro terror é saber que o predador não se veste como fera, não vive nas margens e não fala em gritos. O verdadeiro predador se integra, se adapta, se aperfeiçoa. E quando age, já é tarde demais.

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