Edição 3 – Charles Manson, redes de submissão
- Tilara Neutzling

- 15 de ago.
- 5 min de leitura
Atualizado: 22 de ago.
Edição 3
Por Tilara Neutzling, Psicóloga Pós-graduada em Investigação Forense e Perícia Criminal
Charles Milles Manson nasceu em 12 de novembro de 1934, em Cincinnati, Ohio, em um ambiente instável e marcado pela negligência. Sua mãe, Kathleen Maddox, era adolescente quando o teve, e o pai biológico não esteve presente em sua vida. Desde cedo, Manson vivenciou instabilidade familiar e abandono, sendo colocado sob cuidados de parentes ou instituições. Essa trajetória inicial criou um pano de fundo de rejeição e carência afetiva que moldaria sua percepção de mundo e seu relacionamento com figuras de autoridade.
Durante a infância e adolescência, Manson esteve constantemente em conflito com a lei. Passou a maior parte de sua juventude em organizações correcionais, acumulando experiências que reforçaram um padrão de desconfiança e oposição às normas sociais. Seu contato com locais prisionais também lhe deu acesso a conhecimentos práticos de manipulação, técnicas de persuasão e sobrevivência comunitária que mais tarde seriam aplicados em sua liderança criminosa.
Ao sair da prisão, Manson já não possuía uma identidade integrada à sociedade. Com habilidades musicais rudimentares e um discurso influenciado por fragmentos de ideologias religiosas e contraculturais, ele passou a atrair jovens em busca de significado, aceitação e ruptura com o modelo tradicional americano. Essa combinação de carisma, discurso espiritualista e habilidades de domínio seria central na formação daquilo que ficou conhecido como “A Família Manson”.
A construção da “Família Manson”
A “Família Manson” não era uma entidade criminosa convencional, mas sim um grupo sectário com elementos de culto, formado majoritariamente por jovens brancos de classe média que haviam rompido com suas famílias. Manson utilizava uma mistura de doutrinas, interpretações distorcidas da Bíblia e referências à cultura hippie para criar uma ideologia própria. Ele se colocava como uma figura messiânica, capaz de oferecer respostas espirituais e direcionamento para seus seguidores.
A dinâmica interna era baseada em submissão absoluta à figura de Manson. Ele controlava aspectos íntimos da vida de seus seguidores, desde relacionamentos sexuais até o que deveriam comer, vestir e pensar. Esse comando era reforçado por isolamento físico, consumo de drogas e rituais coletivos que serviam para reiterar a coesão grupal. O círculo era estruturado para eliminar a dúvida e reforçar a dependência emocional e psicológica em relação ao líder.
Para além do posse psicológico, havia um treinamento tácito para a violência. Manson alimentava a paranoia de um apocalipse racial, o chamado “Helter Skelter”, no qual, segundo ele, uma guerra entre negros e brancos resultaria na destruição da sociedade americana. Nesse cenário fictício, a “Família” sobreviveria e assumiria o controle. Essa narrativa apocalíptica foi utilizada para justificar e motivar ações criminosas.
O carisma como arma
O carisma de Manson era uma arma central. Ele sabia ler vulnerabilidades emocionais e adaptar seu discurso às necessidades de cada indivíduo. Aos jovens que buscavam amor e aceitação, oferecia uma “família” acolhedora; aos que buscavam rebelião e aventura, oferecia uma narrativa revolucionária. Sua aptidão de criar uma conexão emocional intensa fez com que seus seguidores estivessem dispostos a obedecer ordens extremas, mesmo sem coerção física direta.
Manson utilizava técnicas de manipulação psicológica que hoje podem ser comparadas às práticas de líderes de cultos coercitivos. Ele alternava entre afeição e desaprovação, recompensando a obediência com atenção e punindo a dúvida com isolamento emocional. Isso criava um ciclo de reforço contínuo que mantinha os membros em estado de dependência psicológica.
Além disso, Manson explorava a contracultura da década de 1960 como cenário para seu discurso. Ao incorporar elementos de espiritualidade oriental, crítica ao capitalismo e uso de drogas psicodélicas, ele conseguia legitimar sua liderança dentro de um contexto que, para muitos jovens, parecia ser uma alternativa “libertadora” à sociedade tradicional.
Os crimes que chocaram o mundo
Entre agosto de 1969, a “Família Manson” cometeu uma série de assassinatos brutais em Los Angeles, sendo os mais notórios os casos na residência de Roman Polanski, onde foi assassinada a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses, junto a quatro outras vítimas. No dia seguinte, o casal Leno e Rosemary LaBianca também foi brutalmente morto. Em ambos os casos, os crimes foram acompanhados por mensagens escritas com sangue, criando um cenário de terror.
Embora Manson não tenha cometido pessoalmente os assassinatos, seu papel como mentor e instigador foi decisivo. As ordens e a ideologia por ele disseminadas motivaram diretamente os ataques. O caso levantou questões jurídicas complexas sobre a responsabilização criminal de líderes que não executam fisicamente os crimes, mas exercem influência decisiva sobre os executores.
O julgamento de Manson e seus seguidores, iniciado em 1970, se transformou em um espetáculo midiático. O comportamento errático dos acusados, as demonstrações de lealdade ao líder e a ausência de remorso chocaram a opinião pública. A promotoria conseguiu demonstrar que Manson, por meio de manipulação e incitação, foi a força motriz dos crimes, resultando em sua condenação à morte, posteriormente comutada para
prisão perpétua.
Perfil psicológico e legado
Charles Manson, à luz de uma análise psicológica e criminal, apresentava um conjunto de traços que apontam para a possível presença de múltiplos transtornos de personalidade, coexistindo e se sobrepondo em sua conduta. É plausível identificar características compatíveis com o transtorno de personalidade antissocial, evidenciadas pela ausência de remorso, manipulação crônica, impulsividade e desprezo pelas normas sociais; traços narcisistas, observados na necessidade extrema de admiração, na visão grandiosa de si mesmo e na crença de possuir um destino especial; além de um provável transtorno de personalidade paranoide, perceptível na desconfiança persistente, na leitura distorcida de eventos como ameaças e na criação de narrativas conspiratórias que reforçavam seu controle sobre o grupo.
Esses padrões, combinados a um histórico de abandono, institucionalização e exposição prolongada à violência desde cedo, moldaram um indivíduo cujo funcionamento psicológico era marcado pela rigidez, pela ausência de compaixão e pela instrumentalização do medo como ferramenta de poder, tornando-o um catalisador de comportamentos extremos e letais em seus seguidores.
O caso Manson marcou profundamente a cultura americana. Ele simbolizou o fim da utopia da contracultura dos anos 1960, revelando seu lado sombrio e vulnerável à manipulação. O nome de Manson se tornou sinônimo de culto, fanatismo e
violência irracional.
Sua figura passou a ser estudada não apenas no campo criminal, mas também na psicologia social e na análise de dinâmicas de grupo coercitivas. No imaginário coletivo, Manson permanece como exemplo extremo de como carisma e ideologia distorcida podem transformar indivíduos comuns em assassinos.
Isso levanta reflexões sobre vulnerabilidade psicológica, busca por pertencimento e o poder destrutivo de narrativas totalitárias. Seu caso é frequentemente comparado a outros líderes de seitas e movimentos radicais, demonstrando padrões comuns na construção e manutenção do controle mental.
Ainda hoje, filmes, livros e documentários revisitam sua história, mantendo viva a discussão sobre os limites da influência humana e a necessidade de compreender como discursos extremistas ganham força. Manson morreu em 2017, mas seu legado é a prova de que a radicalização, alimentada pela manipulação psicológica, é capaz de destruir identidades, sufocar consciências e moldar seguidores comuns em executores de uma violência que transcende o imaginável.









Comentários