Edição 13 - Marcelo Costa de Andrade: O vampiro de Niterói
- Tilara Neutzling

- 7 de nov.
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COLUNA: SEXTAS DO CRIME
Por Tilara Neutzling, Psicóloga Pós-graduada em Investigação Forense e Perícia Criminal
O nome de Marcelo Costa de Andrade inscreveu-se na história criminal brasileira como um dos mais perturbadores da década de 1990. Conhecido como o “Vampiro de Niterói”, ele não apenas matou onze meninos entre 6 e 13 anos, mas o fez com uma frieza e uma lógica interna que desafiam as fronteiras do entendimento humano. Em um país acostumado à violência urbana e à banalização da morte, o caso de Marcelo se destacou pela fusão entre brutalidade, crença religiosa distorcida e vulnerabilidade social extrema. Ele não era um criminoso astuto, tampouco um predador sofisticado, era o reflexo de uma marginalidade que se tornou monstro por dentro e por fora.
Marcelo nasceu em 1967, no Rio de Janeiro, em uma família pobre e desestruturada. Filho de pais alcoólatras, sofreu abusos físicos e psicológicos desde a infância. Passou longos períodos em abrigos e instituições de acolhimento, onde também foi vítima de violência sexual. Não aprendeu a ler nem a escrever, e desde cedo apresentou sinais de atraso cognitivo. Aos olhos da sociedade, era apenas mais um menino abandonado; aos olhos da psicologia, começava a se formar o terreno fértil para o surgimento de um transtorno grave de personalidade, onde empatia, culpa e afeto não encontrariam espaço para florescer.
Na adolescência, Marcelo viveu nas ruas e sobreviveu como catador de latas e pedinte. Encontrou em grupos religiosos um refúgio temporário, mas interpretava a doutrina de forma literal e confusa. Era descrito como introspectivo, tímido, e por vezes infantilizado. A ausência de vínculos afetivos reais e o isolamento social intenso contribuíram para que criasse uma lógica própria de mundo, onde a pureza e o pecado se misturavam com fantasias de morte e redenção. Essa combinação, sustentada por uma cognição limitada e traços psicóticos, desenhou o perfil de um assassino que não matava apenas por impulso, mas por um sentido distorcido de salvação espiritual.
Entre 1991 e 1992, Marcelo atraiu suas vítimas nas ruas de Niterói e arredores, prometendo dinheiro, comida ou companhia. Os meninos eram, em sua maioria, de famílias pobres, invisíveis aos olhos do Estado. Depois de ganhar a confiança deles, levava-os para locais ermos, onde os violentava e, em seguida, os matava por asfixia ou estrangulamento. Em alguns casos, bebia o sangue das vítimas, convencido de que, ao fazê-lo, estaria salvando suas almas e garantindo que fossem direto para o céu. Esse ritual, que deu origem ao apelido “Vampiro de Niterói”, revelava não apenas o sadismo de seus atos, mas uma tentativa rudimentar de ressignificar o horror, de transformar o assassinato em gesto de fé.
O modus operandi de Marcelo era repetitivo e metódico. Ele não escondia os corpos com grande sofisticação, o que sugere que não havia uma preocupação com a investigação, mas sim uma compulsão ritualística. A motivação sexual coexistia com a simbólica: o desejo e a fé se misturavam em um terreno confuso, onde o prazer derivava tanto da dominação física quanto da convicção de estar fazendo o bem. Essa estrutura mental é característica de transtornos psicóticos crônicos, como a esquizofrenia paranoide, combinados com traços de psicopatia, uma junção rara, mas devastadora, em que delírio e frieza racional se retroalimentam.
O fator religioso teve papel central. Marcelo acreditava que crianças eram anjos e, portanto, puras. Ele afirmava que, ao matá-las antes de se corromperem pelo mundo, estava garantindo sua salvação eterna. Esse raciocínio revela uma cisão profunda da realidade, típica de estados psicóticos. Contudo, o aspecto lúcido e repetitivo de suas ações aponta para uma consciência parcial do que fazia, ele sabia que era um crime, mas acreditava estar agindo em nome de algo maior. É nessa ambiguidade que reside o fascínio e o horror de seu perfil: não se tratava de um assassino irracional, mas de alguém que transformou o delírio em missão e o pecado em fé.
A análise psiquiátrica de Marcelo Costa de Andrade, feita após sua prisão, identificou traços de esquizofrenia e retardo mental leve, além de distúrbios de comportamento sexual. Ele apresentava pouca capacidade de abstração, pensamento concreto e baixa tolerância à frustração. Demonstrava aparente calma e cordialidade, mas sem qualquer resquício de remorso. Relatava seus crimes com serenidade e chegou a sorrir ao descrevê-los, não por prazer sádico, mas por desconexão emocional. A psiquiatria forense interpretou sua conduta como resultado de um delírio místico sustentado por uma mente cognitivamente limitada, uma combinação que o tornava perigoso, mas não plenamente imputável.
A polícia chegou até ele em 1992, após a denúncia de uma das vítimas que sobreviveu à tentativa de assassinato. O relato levou os investigadores a descobrir o padrão de crimes e as ligações com o catador de latas conhecido no bairro. Durante o interrogatório, Marcelo colaborou, indicando onde havia deixado os corpos e explicando os motivos com naturalidade desconcertante. Disse, sem hesitar, que não via mal em seus atos, pois estava mandando os meninos para Deus. Essa fala não só marcou a investigação, mas também desafiou a compreensão social do mal, um mal que não gritava, não ameaçava, mas sussurrava em voz calma e infantil.
Condenado em 1993, foi considerado inimputável e internado em um hospital de custódia, onde permanece até hoje. Seu caso é estudado em cursos de criminologia e psicologia forense como um dos exemplos mais emblemáticos do chamado assassino místico: aquele que mata sob o amparo de uma crença delirante. Em 2013, veio a público que Marcelo havia tentado escapar da instituição, reacendendo o debate sobre o risco de recidiva em casos de transtornos mentais graves associados à violência sexual e homicida.
O caso do Vampiro de Niterói é, em essência, o retrato sombrio da negligência social. Marcelo não nasceu monstro, foi moldado por abusos, abandono e fé deturpada. A sociedade o ignorou quando ainda era possível intervir e só o viu quando o sangue já estava derramado. Sua história expõe a fronteira tênue entre o sofrimento mental e o mal moral, entre a doença e a monstruosidade. Não há romantização possível: ele foi cruel, irrecuperável, letal. Mas a gênese de seu horror está cravada no descuido coletivo, nas lacunas que permitiram que um menino ferido crescesse sem ninguém que o visse, até que se tornasse o homem que todos passaram a temer.
Em última instância, o Vampiro de Niterói nos obriga a olhar para a violência como espelho, e não como exceção. Ele não é o produto de uma mente única, mas o sintoma extremo de um país que abandona seus filhos e depois se espanta quando um deles volta do escuro trazendo a morte como forma de redenção.









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