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Edição 11 - Freddy Krueger: o carrasco que habita o inconsciente

  • Foto do escritor: Tilara Neutzling
    Tilara Neutzling
  • 24 de out.
  • 4 min de leitura

COLUNA: SEXTAS DO CRIME — EDIÇÃO ESPECIAL DE HALLOWEEN


Por Tilara Neutzling, Psicóloga Pós-graduada em Investigação Forense e Perícia Criminal


Freddy Krueger não mata corpos. Ele mata consciências. Entre todas as figuras que emergiram do cinema de terror, nenhuma foi tão intimamente ligada ao inconsciente humano quanto o assassino de A Hora do Pesadelo (1984). Seu poder não está na lâmina, mas na invasão. Ele é o predador do sono, o violador do espaço mais privado da mente: o sonho. É ali que ele reina, distorcendo o real, confundindo fronteiras e lembrando que o medo não vem de fora, vem de dentro.


Antes de ser uma entidade onírica, Freddy era um homem. Um jardineiro escolar que sequestrava e torturava crianças na fictícia Springwood. Após sua captura, um erro processual o libertou. Então, os pais das vítimas decidiram fazer justiça com as próprias mãos, queimando-o vivo em uma caldeira. Mas o fogo não o matou, o transformou. A morte o empurrou para um plano simbólico, onde a vingança se tornaria eterna. Freddy Krueger renasceu como uma ideia: a materialização da culpa coletiva, do trauma não resolvido, do passado que insiste em voltar.


O elemento mais perturbador da sua construção é o modo como ele converte a dimensão psicológica do sonho em um campo de tortura moral. Freddy não apenas fere; ele humilha. Ri. Brinca. Ele é o arquétipo do sádico com humor, o predador que não se contenta em matar, precisa ser lembrado. Suas vítimas não sofrem pelo corpo, mas pela antecipação. A impossibilidade de acordar é a sentença: não há fuga quando o algoz se esconde no sono.


Krueger representa, simbolicamente, a invasão psíquica do trauma. Ele é a figura que retorna sempre que o sujeito tenta apagar o passado. Sua luva com lâminas funciona como um símbolo de penetração e domínio: ele rasga o limiar entre a vigília e o sonho, entre o real e o simbólico. No imaginário coletivo, ele é a lembrança de que aquilo que tentamos suprimir — o medo, a culpa, a violência — nunca desaparece. Apenas muda de forma e volta a nos assombrar quando estamos mais vulneráveis.


Wes Craven, o criador de Freddy, não construiu um vilão comum. Ele construiu uma entidade psicológica. Freddy é a expressão do terror freudiano da repetição, do retorno do recalcado, mas com a estética grotesca do cinema slasher. Sua pele queimada, seu chapéu surrado e o suéter listrado em vermelho e verde — cores que, segundo o próprio Craven, são difíceis de serem vistas lado a lado pelo olho humano — criam um desconforto visual que reforça seu caráter antinatural. Ele não é um fantasma, é o próprio incômodo materializado.


Na criminologia, Freddy Krueger é o símbolo do criminoso que transcende o ato físico e se consolida como uma presença psíquica. Representa o agressor sexual e o homicida serial cujos crimes não se restringem ao corpo da vítima, mas à invasão da mente. O modo como ele manipula, se infiltra e cria dependência pelo medo o aproxima de um perfil de personalidade sádico-narcisista, alguém que não busca apenas o controle, mas o reconhecimento dentro do sofrimento que causa. Ele é o estudo perfeito da culpa social transformada em mito, a encarnação do predador que nasce da falha institucional e do desejo coletivo de repressão.


Freddy não precisa de força física. Ele manipula o medo. Em cada vítima, ele explora o que há de mais íntimo e secreto. O que ele faz é o que os traumas fazem: deformam, revisitam, distorcem lembranças até que a mente perca a fronteira entre o que é memória e o que é pesadelo. A cada grito, ele se alimenta de um medo ancestral, o medo de dormir e nunca mais acordar.


No universo dos assassinos cinematográficos, ele é o único que transcende o corpo. Jason, Michael Myers e Ghostface dependem do ato físico, do sangue, da lâmina. Freddy se alimenta da psique. Ele é o assassino da mente moderna, onde o terror se manifesta no sono REM e o inimigo é invisível. Seu território não é o acampamento, a casa ou a rua: é o inconsciente coletivo.

Há também um componente de ironia. Freddy é um justiceiro distorcido. Foi morto por uma comunidade que decidiu fazer justiça, mas retornou para mostrar que violência gera violência. Ele é a própria culpa dos pais, encarnada na vingança. Cada adolescente que ele persegue é herdeiro de um segredo enterrado, uma geração punida pelos pecados da anterior. O fogo que o queimou não o destruiu, apenas o purificou em malícia.


Nos anos 1980, o público se dividiu entre o horror e o fascínio. Freddy era assustador, mas também carismático. Suas falas sarcásticas, sua risada metálica e o prazer evidente em matar criaram uma nova estética: o terror com rosto e voz. Ele não é silencioso como Myers ou mascarado como Jason; ele fala. E ao falar, penetra a mente do espectador. É impossível não sentir que ele sabe algo sobre nós, sobre o que tememos, sobre o que escondemos.


Freddy Krueger é o espelho deformado do ser humano: uma lembrança de que o mal pode nascer da dor, e a dor pode se tornar monstruosa quando é negada. Ele não é apenas o vilão que invade sonhos. É o símbolo do pesadelo moderno, onde não existem mais muros seguros entre o psicológico e o real. No fundo, ele representa o medo mais antigo e mais íntimo de todos: o de perder o controle sobre a própria mente.

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